Eticorragia
Escrita em 29/06/03 às 10:28 por Rubem M. Amorese
Variados Por Rubem M. Amorese

E que governe bem a sua própria casa, criando os filhos sob disciplina, com todo respeito (pois se alguém não sabe governar a própria casa, como cuidará da igreja de Deus?)

(I Tm 3. 4-5)


Estou lendo o jornal de hoje e uma das manchetes de primeira pagina é a seguinte: "Terra de Ninguém - é Alagoas, onde a polícia está em greve, o IML não funciona, os cartórios fecharam e a sede da Guarda Municipal foi incendiada ontem".

Nas páginas internas se explica a calamidade administrativa do Estado: "Com os salários atrasados há meses os policiais civis estão em greve e os policiais militares aquartelados. Até a Guarda Municipal, mantida pela prefeitura de Maceió, foi desmobilizada pelo prefeito Ronaldo Lessa, depois que alguns desconhecidos colocaram fogo no arquivo-depósito da guarda". E prossegue: "A greve da Polícia Civil e o aquartelamento da PM estão provocando o aumento de assaltos a bancos em Maceió".

Explicar o que está acontecendo com Alagoas é explicar o Brasil pois as coisas não estão muito diferentes em boa parte de nosso país. Na verdade, todo mundo sabe um pouco da resposta, exceto os nossos políticos, talvez: O pior cego é aquele que não quer ver. O governador do Estado, aliás como todos fazem, diz que o problema é falta de dinheiro para pagar os funcionários, que não recebem desde março. E onde foi parar esse dinheiro? A resposta é sempre a mesma: "Ah, isso é problema recebido do governo anterior, que fez isso e aquilo...". Ninguém tem culpa de nada, ninguém é mau gestor, ím-probo, ou ladrão... Nem os famosos "sete anões".

Vivemos numa sociedade diabética. Mas não estamos falando do conhecido distúrbio do metabolismo dos açúcares caracterizado por hiperglicemia com ou sem glicosúria. Não! Estamos falando de outra doença. Estamos falando de uma sociopatia. Na diabetes, você tem problemas com hemorragias. Na diabética, você tem problemas com eticorragia. Uma, é um mal pessoal. A outra, uma disfunção social. Vivemos um tempo em que nossa sociedade se esvai na perda de seu "sangue vital". E o sangue da sociedade é, pelo testemunho da maioria dos sociólogos, a ética. Daí os trocadilhos diabética (uma doença relacionada com ética) e eticorragia (um distúrbio em que o organismo não consegue reter seu fluído vital).

Eticorragia

Costumamos entender a questão da ética na política como uma reflexão simples: os políticos precisam parar de roubar, aí, tudo se resolve... Más notícias, meu caro, a saída para essa questão envolve muito mais aspectos (aliás, estes nem caberiam neste artigo, portanto, ficamos com alguns breves comentários). A eticorragia se manifesta quando uma pessoa despreparada para um cargo o assume, por indicações políticas. Parece que pouco se preocupam, nossos políticos, se o indicado a ministro da fazenda tem sua contas domésticas em ordem. Não importa se ele é um indivíduo falido. Vai dirigir bem a pasta. Temos, é claro, honrosas exceções, como é o caso de Pele, nos Esportes, e Jatene, na Saúde. Mas serão bons ministros?

Você já reparou como os ministros são cheios de soluções depois que deixam o cargo e, então, desandam a dar conselhos e a fazer críticas ao seu sucessor? A eticorragia aparece quando a sociedade perde a noção de honra - que todos sentem, ainda que de forma difusa - por acreditar que as autoridades estão sempre roubando. Vamos a um teste. Você realmente crê, que aquela obra pública que seu prefeito está fazendo, vale o que ele está pagando à empreiteira? Eu também não! A probabilidade dele estar "levando algum" é muito grande. Justamente porque essa "percepção" já está presente no inconsciente de uma nação, ainda que um ou outro político sejam honestos, vai ser difícil crer em políticos honestos. Por exemplo, o governo federal foi flagrado recentemente pela imprensa, aumentando a conta de energia em 72%, e do telefone, em 200%. Ao mesmo tempo em que diz às empresas que, aumento agora, é falta de patriotismo. Não falou nada, planejou em silêncio. Por que não anunciou? Por que não explicou que era necessário, sei lá? Nada! Essas coisas vão produzindo um estado de ânimo na população, em que cada um quer livrar o seu lado. Eticorragia. E Alagoas é apenas um exemplo de onde as coisas podem chegar. Para quem quer ver...

Atualmente, o Departamento de Censura Classificatória do Ministério da Justiça está negociando com as empresas de comunicação social um meio pelo qual elas mesmas façam a classificação de sua programação. E quem são esses classifi-cadores? Conhecem os efeitos da sensualidade vulgar e da violência na alma das crianças e adolescentes? Têm filhos saudáveis, éticos? Ou será que o "galinheiro vai ser deixado, por conta da raposa?". Quando cidadãos pacatos começam a se matar descontroladamente, as autoridades saem com um programa de desarmamento. Resolve? Quando o trânsito tornou-se em praça de guerra, vem o programa "Pare", do Ministério dos Transportes. Mas o próprio coordenador da campanha, o ministro dos transportes não é capaz de dar o socorro à sua vítima: atropela, mata e se esconde. Ah, você está perdido meu irmão? Apenas uma paráfrase das Escrituras:

"E que governe bem a sua própria casa ... pois se alguém não sabe governar a própria casa, como cuidará do governo?"

Rubem Martins Amorese é Presbítero
da Igreja Presbiteriana do Planalto - DF,
escritor e consultor legislativo no Senado Federal.

Notícias e comentários por: Rede Sepal
Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores.