O controle cada vez maior da tecnologia dá ao homem a falsa impressão de que pode prescindir de Deus
Após o dilúvio, os homens se uniram e dominaram a tecnologia da construção civil. Descobriram materiais (tijolos, palha, betume) que facilitavam e permitiam a edificação de edifícios com mais rapidez e eficiência. Várias conseqüências vieram à tona por causa do domínio da tecnologia. O homem passou a ver a vida a partir de si próprio, tornando-se o centro e a fonte das explicações, ações e motivações. A sabedoria e a consciência humana passaram a governar a cidade. Deus deixou de ser importante para os homens, que começaram a agir como se fosse possível ir aos céus sem Ele. Assim, um sentimento de onipotência e segurança ganhou o coração do homem.
A cidade tornou-se o reflexo desta falsa segurança através da torre, do símbolo, da marca, do marketing da vida e da religiosidade sem Deus. Os homens diziam: " não precisamos mais de Deus nem para sermos seguros, nem para irmos aos céus. Somos o centro da existência humana, então tornemos o nosso nome célebre".
*Marcas das cidades sem Deus
Hoje, as marcas das cidades sem Deus são as mesmas de Babel. As torres são: o domínio da tecnologia; a sensação de segurança provocada pelas intervenções do Estado, enquanto poder, e pelos sistemas de saúde, emprego, habitação, escola, conforto, etc. A religiosidade não está incluída na vontade de Deus, e é perceptível pelas ondas místicas que invadem as cidades, as igrejas e as mentes dos cidadões. As torres são as grandes obras dos políticos e religiosos, que iludem os cidadãos, geram orgulho na cidade e tornam o nome dos homens célebres.
A Igreja e as Babéis dos nossos dias (Intertítulo. Negritar/Centralizar)
As igrejas estão inseridas em cidades assim, sem Deus, sem governo divino e justo, sob a exploração dos poderosos que geram a injustiça e os bolsões de miséria. A religiosidade nestas cidades funciona como uma espécie de legitimidora das ações injustas dos poderosos. Ela acalma, engana, gera falsas esperanças, geralmente místicas; não anula Deus, mas promete alcançar o céu através da capacidade do próprio homem ... "vamos construir torres para alcançar o céu. " (Gn 11:4).
As igrejas evangélicas não escapam do sentimento, das estratégias e de todos que dominam as cidades e os cristãos da igreja. Agem na cidade, como os demais cidadãos, buscam a ascensão social para se tornarem poderosos, buscam o dinheiro como alvo supremo da felicidade e o lazer como demonstração de qualidade de vida.
As estratégias da igreja para atrair fiéis são as mesmas da cidade para agradar os homens. A motivação de muitos líderes é construir torres para tornar o nome do homem célebre. Com esse objetivo utilizam uma teologia ou doutrina que não confronta a cidade, ao contrário, conformam-se a ela, e convida a todos a construírem suas torres particulares. Desta forma, pensam estar contribuindo para a construção da grande obra de Deus, constróem torres que nos levam aos céus, sem Deus, onde Cristo não é o ponto de atração.
Os grandes pregadores e os poderosos missionários se transformam nos manipuladores das multidões. A maioria destes "grandes" e "poderosos" são considerados capazes de atrair multidões e se valem, como já afirmei, de uma teologia que se conforma à cidade, onde a riqueza se torna sinônimo de benção. O método é semelhante ao que a cidade utiliza para promover seus eventos, através de anúncio de milagres, distribuição de bênçãos, venda de objetos santificados (água do Rio Jordão, óleo de oliveira de Jerusalém; sorteio de objetos de valor, tais como automóveis, eletrodomésticos, etc.).
Em torno desta teologia e desta metodologia, está algo que poderíamos considerar tremendamente grave, para a igreja, para os filhos de Deus e para a cidade: o misticismo. O primeiro tipo de misticismo refere-se à socialização de objetos, tais como: fitinha com versículo bíblico no braço para dar tudo certo, carro abençoado através de "slogans" grudados no vidro, Bíblia aberta no Salmo 91, em cima da mesa para expulsar maus fluídos ou mesmo demônios; pedaço de madeira abençoado vindo do monte de oração, etc.; e ainda a sacralização de lugares como templos, púlpitos e outros. Em segundo lugar, o risco do misticismo está na sacralização dos métodos, ou, noutras palavras, no valor divino às regras e métodos, para obter bênçãos, tais como freqüentar sete reuniões seguidas, todos os dias orar o Salmo 23.
Intervenção de Deus na cidade sem Deus (Intertítulo. Centralizar/Negritar)
Para a primeira rebelião coletiva da humanidade, como a de Babel, a intervenção de Deus não é solitária, isolada e personalista. Ela acontece de modo solidário, é de caráter comunitário e coletivo. A Trindade intervém dizendo: "Eia, desçamos, e confundamos ali a sua língua, para que não entenda um a língua do outro". (Gn 11:7)
A outra parte da intervenção de Deus se dá através de um chamado, o chamado de Abraão (Gn 12.1-3), que expressa as características de Deus e do seu povo. Um chamado do individual para o coletivo, do personalismo característico das religiões pagas para a ação em equipe, do egoísmo, para um voltar-se para o próximo; do buscar da benção, para ser benção aos outros; do velho homem individual, para um novo homem coletivo; do solitário, para o solidário.
Deus, para Abraão, tem projetos eternos, planos: além - cidade, que extrapolam o imediato. A benção é para todos da cidade, para todas as nações. Deus não é de Abraão, a benção não é de Abraão; é de todos: estrangeiros e nativos, ricos e pobres. Este projeto se concretiza com a socialização do Espírito Santo, que faz surgir uma igreja que testemunha com o poder de Deus e não com o poder dos homens. A partir da segunda intervenção a igreja tornou-se tão solidária que seus participantes viviam como se afirmassem - "O que é meu é do meu irmão", perspectiva muito diferente do comunismo onde pessoas vivem como se afirmassem "o que é seu é meu".
Os habitantes de Jerusalém, eram impactados por uma igreja que vivia um projeto solidário, comunitário, que conquistava a cidade com alegria e simpatia. (At 2)
*Testemunho dos flhos de Deus na cidade sem Deus
O caminho que Abraão encontrou para proclamar quem era Deus e qual era o projeto de Deus para os homens foi exatamente o contrário dos habitantes de Babel. Em Abraão, Deus não encontrou um construtor de torres com motivação de tornar seu próprio nome célebre, encontrou um construtor de tendas e de altares.
Infelizmente, a igreja dos nossos dias, perdeu este sentido de vida provisória e de peregrinação aqui na Terra. Hoje, as doutrinas que permeiam a igreja geram sentido de eternidade. A benção, a segurança, a torre, são buscadas e, na maioria das vezes, "ordenadas" para hoje. O homem precisa sentir-se bem já. Se Deus tem projetos apenas para o futuro ou para a eternidade, então Ele é inútil! É o que se deduz desta ênfase tão forte na "benção" como sinônimo de bem estar para o "agora". Talvez, esta seja uma das razões pelas quais a maioria dos cristãos estão tão desesperados e ansiosos por dinheiro, como se fossem cidadãos de Babel.
A cidade nos ouve, nos olha e, na maioria das vezes, conclui que não somos diferentes dela, buscamos o mesmo espaço terrestre; o mesmo dinheiro, a mesma torre. Desapareceram os construtores de tenda, permaneceram os construtores de torres.
Além de tendas, Abraão construía altares. Vários altares foram edificados por Abraão, sempre que Deus lhe falava. (Gn 12:7) O altar era a conseqüência, a reação de gratidão e de adoração pelo que Deus era e fizera em sua vida. Neste caso, o caminho também era contrário ao de Babel. Babel era construída para ir ao encontro de Deus, enquanto que os altares instituídos por Deus são construídos como sinais de gratidão, oferta, adoração, como declaração que Ele veio até nós.
O sentido bíblico da adoração, nos nossos dias, também tem sido esquecido por nossas igrejas. Muitos pensam ser o culto, a adoração, quando o culto deveria ser apenas a expressão coletiva da adoração! Outros fazem a adoração depender das circunstâncias, se recebem o que esperam geralmente coisas materiais, bens, saúde então adoram a Deus. A maioria porém, participa, ora, canta, se toma mais fervorosa, sempre na expectativa de receber as bênçãos de Deus, como já falamos anteriormente, bênçãos como benefícios pessoais e quase sempre de ordem material.
Esta expectativa de "bênçãos" leva a igreja a gerar um ambiente místico, emocional, às vezes, manipulador, de tal maneira que, os líderes, se tornam uma espécie de animadores de grupos e detentores da torneira que libera as bênçãos para o povo.
Nestas formas de adoração, os atributos de Deus tais como a Santidade, o Amor, a Soberania e outros são esquecidos. Deus é visto como um ser "subornável". Para muitos, Deus muda de opinião de acordo com a quantidade de orações, cultos, jejuns, ofertas, etc., que lhes são oferecidos. Para outros, Deus torna-se dirigível à medida que, mesmo pecadores, se arvoram em ser detentores do poder de Deus. Para outros, Deus é manipulável e absolutamente submisso à vontade de alguns, que da cidade vivem a dar ordens a Deus através das suas orações aparentemente humildes.
A cidade nos ouve e nos olha, parte dela começa a acreditar que o acesso a Deus está na capacidade do homem de se disciplinar, de ter força de vontade, de querer ir a Ele. Os cristãos desta cidade pensam que são bonzinhos, por darem ofertas, e cumprirem suas obrigações religiosas. Para eles Deus não fica nervoso, acreditam que serão abençoados e receberão bens materiais, pois se consideram privilegiados.
Conclusão: O Chamado De Abraão é o Nosso Chamado.
O chamado de Abraão é o nosso chamado. Quando verdadeiramente nos convertermos a Deus e nos tomamos construtores de tendas e de altares a cidade saberá, realmente, quem é Deus!
O Rev. Naami Mendes é pastor da 1a Igreja Presbiteriana Independente de Maringá e presidente do diretório da AEVB do Paraná; autor do livro "Igreja: Lugar de Vida", Editora Betânia.